sexta-feira, 25 de novembro de 2016

ESCREVENDO COM O CORAÇÃO




Lauro da Escóssia Neto
Pediram-me para escrever  sobre Lauro da Escóssia. Eu, seu primeiro neto, sua terceira geração... Não trago no sangue seu gene de escritor e jornalista modestamente dito de província. O que posso dizer de "vôzinho"?  Serei suspeito para falar no homem  que foi  avô e pai devotado? Não. Tendo compartilhado durante toda a sua vida de suas amarguras e esperanças, vejo-me qualificado a rememorar, não o jornalista, o memorialista e escritor, mas o homem Lauro da Escóssia em toda sua infinita modéstia.  
 Em um dia desses qualquer, às primeiras horas da  Ave Maria, na Rádio Difusora de Mossoró, lida pela voz de Genildo Miranda, um   transglobe  captava suas ondas, e a brisa quente e suave trazida pelo nordeste, embalava prazerosamente a cadeira de balanço de seu Lauro, em sua calçada à rua Dr. Mário Negócio, 158.
Normalmente, à exceção da segunda-feira, que era dia  de Maçonaria, estava  em sua calçada, à luz do poste da "Comensa" localizado exatamente em frente à porta principal de sua casa.
Ali sentado com a companheira de toda sua vida, dona Dolora, rádio posto ao colo, ofertava a  quem passava, um fraternal "boa noite fulano de tal." Conhecia a todos.  Moradores e comerciantes da sua rua e adjacências retribuíam com satisfação o boa-noite de seu Lauro. Naquele tempo, mães, pais, avós, tios, vizinhos, eram autoridades presumidas, dignas de respeito e consideração. Os valores morais eram outros.  Não se duvidava do caráter das pessoas.  Por preservar estes valores, seu Lauro podia desfrutar de sua calçada e ter a porta aberta nas noites quentes de verão.
Era uma rua residencial. O comércio existente na época, resumia-se ao armazém de Raimundo Marques, de onde saía o misto de Isidoro para Tibau; Rubens Pinto & Cia; a padaria de seu Eli; o armazém de seu Chiquinho  Andrade, alguns poucos cafés, e já no final do quarteirão, a serraria de seu Otávio. Em tempo: havia também a academia de jiu-jitsu do Dr. Diniz Câmara, que funcionava na sua própria casa. Homem forte e robusto, no tatame distribuía golpes pra todo lado, para infelicidade geral dos seus magérrimos alunos.   Se não me falha a memória, este era o comércio da rua Mário Negócio naquele tempo.
A rua era uma tranqüilidade. Poucas pessoas possuíam veículos e na maioria das vezes, andavam a pé, já que não existia ainda transporte coletivo, a não ser os táxis do Posto Cinco e Santa Luzia. Imagine quantas pessoas passavam pela calçada de seu Lauro ofertando-lhe um sonoro "boa-noite"  quando não paravam para trocar   algumas palavras..
Impreterivelmente, todos os dias, às 5 horas, a pé,  fazia sua peregrinação matinal ao Mercado Público. Lá era o ponto de encontro de amigos e compadres, comparsas das doces prosas matinais. Havia o açougueiro João Tobias, o gazeteiro seu Tico já com "O Mossoroense" , "novinho em folha", e Antonio Bezerra,  com seu armazém de cereais.
Fui várias vezes com ele ao Mercado, menino-criança, cheguei a  participar algumas vezes de sua roda de amigos. Todos sorriam em paz e faziam graça sobre coisas  simples que hoje não vemos mais.
Ao retornar para casa, deixava a feira e partia para o trabalho.  Ia embora, como sempre foi: a pé, apesar do corpo pesado e do joelho doente. Era avesso a médico. Assim como partia, chegava: cansado e ofegante, mas sempre sorrindo.
Apesar das adversidades que a vida lhe proporcionava, sempre encontrava um coração afetuoso que lhe dizia para seguir em frente. Era  Dolora, sua esposa, minha avó e mãe, que trazia consigo a fé do mundo todo, buscando em Deus e em Santa Luzia, a mágica divina de poder criar e educar bem os seus sete filhos: Lauro, Danilo, Margarida, Concita, João, Carmem e Guga, e de quebra, Coné e Noemia.
Lauro da Escóssia viveu com completo desamor ao dinheiro. Sua vida era a família, O Mossoroense e a Maçonaria que ele tanto amou.
Não me cabe aqui falar da sua importância para a imprensa potiguar. Todos já sabemos. Só não sabíamos como era o dia a dia do homem que deixou marcado na sociedade mossoroense, sua luta, seu amor ao trabalho, a  paixão pelas coisas de sua terra. Encontrei no livro de Francisco Obery Rodrigues, Rua Coronel Vicente Sabóia, coleção mossoroense, série "C" vol.1180, pg.86, uma bem próxima descrição do meu avô: "Era assíduo e dedicado ao jornalismo. De temperamento ardoroso, foi um profissional combativo, parecendo ter sido o que herdou, em maior grau, o ardor cívico, o denodo e a coragem de Jeremias da Rocha Nogueira...Participou ostensivamente da política, sempre na defesa dos interesses de nossa terra."
Lauro da Escóssia deixou para nós  exemplo de vida e coragem, levantando uma bandeira de paz e  profunda consciência política e social. Este era Lauro da Escóssia. Seu Lauro para uns tantos outros, vôzinho para mim.
 FONTE -  JORNAL O MOSSOROENSE

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