Liliana da
Escóssia Melo
Por ter
sido Vozinho um jornalista, homem afeito às letras, e ser eu uma psicóloga,
professora, igualmente afeita às letras, quase viciada em saber - saber do
mundo, das pessoas, de suas semelhanças e diferenças, seus encantos e
desencantos, seus medos e ousadias, suas capacidades inventivas e destrutivas,
enfim, de tudo que é "humano, demasiadamente humano" - era de se
esperar que a grande influência exercida por ele na minha vida fosse o gosto, a
curiosidade e o interesse pelo conhecimento. Não que isso não seja verdade.
Mas Vozinho
deixou-me outras coisas. Deixou-me, principalmente, um imenso gosto pela vida.
Não a vida em seu sentido mais abstrato e idealizado, mas a vida concreta, que
se traduz nos espaços que escolhemos para habitar, nas atividades que
realizamos cotidianamente, na rede de amigos e amores que construímos ao longo
da vida, nos sonhos que insistimos em realizar, nas nossas pequenas e grandes
ações, nos nossos desejos.
Deixou-me
ainda um compromisso ético com a vida: nunca se submeter àquilo que nos
enfraquece, que nos subtrai a potência do viver. Vozinho era assim: apostava
numa vida bela, bem vivida e intensa. Mesmo que isso resultasse numa vida
"menos extensa". Personagem paradoxal, a um só tempo, eficiente
e suave, firme e terno, beligerante e delicado, pesado e leve. Leve, ao ponto
de me acompanhar - em seus primeiros tempos de viuvez - nas minhas primeiras
incursões aos salões de dança. E não pensem que era para dançar valsa. Quando
encontro algumas amigas da adolescência elas lembram sempre de Vozinho dançando
rock com a gente na ACDP (ainda existe?), ou em alguma boate da cidade, quando
íamos de Natal passar férias em Mossoró. Vivemos isso com o prazer de quem vive
algo surpreendente e encantador. A sua presença lúdica e protetora
(juntamente com Badi) foi um ingrediente indispensável para que pudéssemos
experimentar as aventuras próprias daquela idade.
É bem
verdade que Vozinho era desmedido em alguns aspectos, como, por exemplo, em
relação a sua dieta alimentar. Mas, ao mesmo tempo, havia nele uma sabedoria
das doses e das misturas, sabedoria própria dos artistas, dos que operam
misturas inusitadas entre cores e formas a fim de produzir uma obra. Vozinho
era assim: na sua mistura de ingredientes produziu gestos, textos, livros,
jornais, amigos, uma imensa família, uma bela vida, uma obra de arte.
Lembrar de
Vozinho é um exercício que situo entre a vida e o póstumo, entre a alegria de
quem ganhou algo que nunca perderá e a saudade de um tempo irreversível, que
permanece marcado na memória e no corpo.
FONTE - JORNAL O MOSSOROENSE
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