sexta-feira, 25 de novembro de 2016

VOZINHO: UM GOSTO PELA VIDA




Liliana da Escóssia Melo
Por ter sido Vozinho um jornalista, homem afeito às letras, e ser eu uma psicóloga, professora, igualmente afeita às letras, quase viciada em saber - saber do mundo, das pessoas, de suas semelhanças e diferenças, seus encantos e desencantos, seus medos e ousadias, suas capacidades inventivas e destrutivas, enfim, de tudo que é "humano, demasiadamente humano" - era de se esperar que a grande influência exercida por ele na minha vida fosse o gosto, a curiosidade e o interesse pelo conhecimento. Não que isso não seja verdade.
Mas Vozinho deixou-me outras coisas. Deixou-me, principalmente, um imenso gosto pela vida. Não a vida em seu sentido mais abstrato e idealizado, mas a vida concreta, que se traduz nos espaços que escolhemos para habitar, nas atividades que realizamos cotidianamente, na rede de amigos e amores que construímos ao longo da vida, nos sonhos que insistimos em realizar, nas nossas pequenas e grandes ações, nos nossos desejos.
Deixou-me ainda um compromisso ético com a vida: nunca se submeter àquilo que nos enfraquece, que nos subtrai a potência do viver. Vozinho era assim: apostava numa vida bela, bem vivida e intensa. Mesmo que isso resultasse numa vida "menos extensa".  Personagem paradoxal, a um só tempo, eficiente e suave, firme e terno, beligerante e delicado, pesado e leve. Leve, ao ponto de me acompanhar - em seus primeiros tempos de viuvez - nas minhas primeiras incursões aos salões de dança. E não pensem que era para dançar valsa. Quando encontro algumas amigas da adolescência elas lembram sempre de Vozinho dançando rock com a gente na ACDP (ainda existe?), ou em alguma boate da cidade, quando íamos de Natal passar férias em Mossoró. Vivemos isso com o prazer de quem vive algo surpreendente e encantador.  A sua presença lúdica e protetora (juntamente com Badi) foi um ingrediente indispensável para que pudéssemos experimentar as aventuras próprias daquela idade.
É bem verdade que Vozinho era desmedido em alguns aspectos, como, por exemplo, em relação a sua dieta alimentar. Mas, ao mesmo tempo, havia nele uma sabedoria das doses e das misturas, sabedoria própria dos artistas, dos que operam misturas inusitadas entre cores e formas a fim de produzir uma obra. Vozinho era assim: na sua mistura de ingredientes produziu gestos, textos, livros, jornais, amigos, uma imensa família, uma bela vida, uma obra de arte.
Lembrar de Vozinho é um exercício que situo entre a vida e o póstumo, entre a alegria de quem ganhou algo que nunca perderá e a saudade de um tempo irreversível, que permanece marcado na memória e no corpo.
 FONTE -  JORNAL O MOSSOROENSE

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